Magia

Desenho: Sr. do Vale



O sapatinho de algodão


A tarde estava calma, no céu algumas nuvens vagavam, mas mesmo assim ainda dava pra ver, o Sol indo em busca do cume das montanhas mais distantes.
Tudo isso se passava quase que imperceptível, tudo parecia parado, inerte, sem vida...
Sol, nuvens, montanhas, até o relógio da igreja, dava a impressão de não mais acompanhar o vôo das andorinhas.
Um momento intenso de profundidade, pairava no ar...
A silhueta de um homem, com expressão de reflexão, atravessando a rua.
Talvez fosse imaginação, talvez fosse aquela coisa que dá na gente quando o dia está findando. Mas nada de concreto, nada definido, era um dia comum!
Essa atmosfera existencialista, aumentava com a aproximação ao ponto do ônibus daquela criatura.
Um homem magro, descaracterizado, vinha olhando para o chão, como se o chão não existisse, parecia cercado de dúvidas e incertezas (como alguém que procura uma verdade, que lhe esclarecesse sobre a existência).
Já no ponto, onde havia mais algumas pessoas, a chegada deste homem de respiração lenta, quase nula, era indiferente. Todos estavam a espera do ônibus, que após algum tempo, se aproximou, ele estende a mão e entra, tudo instintivamente, seu cérebro parecia se concentrar em algo muito longe.
Havia uma indiferença deste homem, em relação aos locais que se podia ver pelo vidro, por onde o coletivo passava, como se todos aqueles lugares não existissem.
Encostou a cabeça no vidro e adormeceu profundamente.

Tudo se reteve em pequenos impulsos,
Nada de expansivo,
Nada de revolucionário.
Nem ao menos, uma explosão emocional.
Nada se sobrepunha, como novidade vital,
Apenas as relações rotineiras,
Apenas e só apenas uma situação normal.
Coágulos mentais,
Cuja fome, um único objeto de sagração momentânea, nada mais.
Ou quem sabe talvez o medo?

Abaixou a cabeça, abriu os olhos lentamente e viu, entre um banco e outro, um sapatinho feito de algodão.
Curvou-se vagarosamente, estendeu o braço e pegou-o na mão. Trouxe para o seu rosto, acariciando-o, como se fizesse com uma criança, tanta era a vida que ele vira ali.
De seu rosto, escorreu uma lágrima, ladeando o nariz, até quase atingir um ensaio de riso e cair sobre o sapatinho de algodão.
Ele olha para a gota e vê o reflexo das luzes, e dentro do reflexo, um arco íris, com o Sol mais ao fundo. Ele mesmo pôde ver-se no alto de uma montanha, onde as nuvens rente ao chão, davam a impressão de que se podia andar sobre elas.
Em uma gotícula de orvalho sobre a grama, podia se ver um elo dourado, e dentro dele o mar, que ao mesmo tempo refletia o céu, a noite, as estrelas. Dentro de uma das estrelas, que deixavam seus olhos fixos, pode ver suas mãos juntas, segurando o sapatinho de algodão.
Nesse mesmo instante o ônibus chega ao ponto final.
O homem que havia despertado de sua viagem, desceu e saiu caminhando pela calçada, entrando num forte nevoeiro, até desaparecer, como se nada tivesse existido, nada, nem mesmo o sapatinho de algodão.

IOANES NULLIUS

3 comentários:

Algum sentindo disse...

lindo, e esses desenhos, ó deus, fodasticos...
sabe, se alguma coisa vale realmente a pena, certamente há poesia, arte, impressas, grudados junto ao que vale.
nao sei quem és, mas minhas palvras são sinceras.

Anônimo disse...

Belas viagens pelo sr. de luzes e reflexões...'Noslen ed Azuos'

Sr do Vale disse...

Como é bom poder extrapolar os limites e ir além.

Obrigado amigos.