O Garfo de Dalí - Parceria



Os restos depositados nos becos guardam sabores que sorriem uma aguda estupidez, guardam, além de si, odores que não lhes pertencem, mas às grifes cujo comportamento expele arrogância e transforma a cena num desfile de garfos fartos.
Embora agredido, sou tão resto como os restos ensacados e também me farto.
Enquanto as festas prosseguem, acuo-me num canto e adormeço no exato instante em que talvez começasse a chorar (nem tão longe DALÍ pintaria a nona sinfonia correndo nua pelos ouvidos do seu executor como se fosse uma marcha rancho num carnaval em preto e branco).
Sei que dali a pouco, enxotado pela luminosidade do dia, procurarei outros becos com seus restos de desjejuns à cama, onde é possível ver rosas cor-de-rosa e bilhetes de bom-dia, e mesmo que as mãos que as acarinhem e os recolham para a leitura estejam tensas e predestinadas aos garfos de logo mais, sei que a aventura dos vôos se desdobrará bem a minha frente e que os touros na praça não servirão de bazófia e nem de servidão.
Um pouco de sorte e terei café quente no fundo de algum copo descartável, quem sabe mordiscado pelo carmim de um batom adocicado e lembranças de um tempo em que também eu era beijado (nem tão longe DALÍ, os beijos brotavam em fornadas de pão de mel e as noites quentes de verão se faziam de colméias para melhor lambuzar as manhãs).
Quando os restos são escassos e, por muitos disputados, esmolar um trocado cai-me sobre os ombros como um fardo infernal; as poucas moedas ardem na palma da mão e nos balcões se transformam em doses de esquecimento.
Devo entorpecer-me nestes dias imensos e sorrir para os fantasmas, devo espantar os transeuntes para dentro das horas costuradas em penumbra e conversar com os mortos que escapolem a todo instante pelas bocas de lobo com seus garfos na mão, convencendo-os a retornarem para o inferno.
Devo discursar por onde não existam caminhos e caminhar o quanto os ossos permitirem, mesmo trôpego, encharcado, dolorido (mesmo que DALI a pouco se abram as bocarras de cada um dos comensais aturdidos pela febre de uma fartura que além da festa chacoalha latas e membros), e chegar a novos becos fecundos onde ainda formigam todos os sorrisos de uma noite calma e estrelada.

Texto: Sérgio Luyz Rocha, http://atramabacana.blogspot.com/
Desenho: Sr. do Vale


15 comentários:

Oliver Pickwick disse...

Estou certo de que se o Dali vivo fosse, muito apreciaria este garfo.
Abraços!

Noslen ed azuos disse...

Como se o pr�prio
desenho comesse o artista
pelo garfo dos
espelhos interiores.

'Seu blog esta ficando,
perpetuando,
criando personalidades,
se completando,
fundindo sonhos
em nossa realidade'

NS

Sr do Vale disse...

Oliver, acredito que se Dalí tivesse vivo, ele teria um blog, muito louco.

Noslen, que coisa linda escrevestes, você bem sabe, que durante muito tempo, viajei nas entranhas antropofagicas de Dalí, então não poderia deixar de fazer uma homenagem, ao grande excêntrico mestre.

Abraços e obrigado.

Vanuza Pantaleão disse...

Oi, meu querido! Eu estava curtindo um filminho, mas o vício me fez voltar aqui e me deparar com os seus inesperados e sensatos comentários. Sua Arte, realmente, é fascinante. Vou linká-lo com enorme prazer e abusar dessas jóias que nos presenteias, algo que passa pelo surrealismo de Dali, ao qual te referes, mas ronda também o psicodélico dos anos 60/70. Mas que, felizmente, não é a imitação de nenhum deles. Você conseguiu o seu caminho, por isso merece ser chamado de ARTISTA!
Pois é, Krajcberg é peculiar, é único justamente por essa antítese: transformou morte em VIDA! Acredito que, como ecologista, não tenha matado a árvore em que construiu sua casa, seria uma mácula em sua biografia, uma coisa sem nenhum sentido. Não, com certeza, não!
Parabéns! Domingo tranquilo e uma semana de Novas e Belas realizações!!!

Vanuza Pantaleão disse...

Vou tomar mais uns remedinhos - você não imagina como a gripe me maltrata - e sempre me curo com as ervas da Mãe Natureza- volto daqui a pouco para fazer a nossa Galeria virtual. Uma Honra, acredite!

BIA disse...

Este texto tem uma profundidade que merece ser cuidadosamente descodificada...
Li e reli e parece-me ter encontrado sempre mais alguma coisa subtilmente " não escrita"...
A imagem segue complementando o trabalho com que o Sr do Vale nos presenteia e ao qual nos vai habituando! Bem hajam ambos, pela vossa gentil Partilha!

Abraço terno

BIA

Vanuza Pantaleão disse...

Amigo, acabei de fazer uma simples homenagem ao seu Trabalho. Não fiz melhor porque minhas condições não permitem, teria até que colocar os títulos das Obras. Semana que vem, melhoro mais. Agora que li o texto que é da autoria do Sérgio, da Trama Bacana. Puxa, mas que excelente companhia! O Sérgio e seu blog são referências de qualidade e Liberdade de Expressão. Parabéns, mais uma vez!!!

Vanuza Pantaleão disse...

Foi inestimável a sua ajuda nos títulos, meu amigo e quase colega (eu cometia algumas telas, rsss), mas assim que tiveres pronta a tua nova OBRA, estarei por aqui para levá-la e farei algo mais condizente com o teu imenso talento, embora sejas um Artista reconhecido, com certeza e por mérito! Veja, o nosso Carlo Rochas também apareceu e não vai ficar parado, não. Vamos botar a mão na massa, o nível tem que melhorar por aqui. Não é falar mal, não, mas vejo gente oportunista por aqui com números imensos de comentários...VAZIOS! Isso não é justo! Meu propósito inicial era, ainda é, trazer meus textinhos para postá-los, mas tudo se encaixa, tudo que for de bom gosto e que possa atingir o maior número de pessoas possíveis tem que ser bem vindo. Não gosto de ver a BOA ARTE elitizada, trancada em museus. A net, apesar de tudo, veio desmistificar e abrir um canal de popularização das Artes, mas com QUALIDADE.Falei demais, acho que tanto talento e beleza podem até curar viroses. Bem, aí, já extrapolei, risosss. ABRAÇOS!!!

RENATA CORDEIRO disse...

Esta obra é um verdadeiro tributo a Dali, bem ao seu estilo. Eu a pus no meu Blog, com mais 3. Mas preciso saber o nome das obras. Pode me fornecer?
Um beijo,
Renata Cordeiro

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Parabéns pelo belo texto.É uma obra de arte ,assim como teu desenho. Quanto a Dali, acredito que ele teria um blog muito parecido com o seu.Um grande abraço

RENATA CORDEIRO disse...

Sr. do Vale:
Acho que vc fez uma pequena confusão no nome das obras. Vá lá ver se agora está certo, pois dei uma ajeitada.
Abraços,
Renata

Cristiana Fonseca disse...

Uauuuuuuuuuu!!!
Que posso dizer, vejo diante de meus olhos uma obra, daquelas que vc não consegue desviar o olhar.
Incrível postagem,o texto do Sérgio e a tua obra uniram-se em sinfonia. Parabéns a esta bela parceria.
Beijos,
Cris

Anônimo disse...

Ei, meu velho...
..nossa!! tua pintura parece mais viva do que nunca!! o fundo do blog sempre foi preto?
...sei lá...coisas de Dalí!!!

Abração!!!!

Vanuza Pantaleão disse...

Boa noite, amigo!
Títulos já colocados, mas a gripe continua.Deixa pra lá! A vit.C vai dar conta dela.
Visitei a Cris e andei falando umas coisas: poderíamos fazer uma "vernissagem virtual" com vocês e outros bons que andam por aqui? Com direito a textos do Sérgio que tanto admiro, enfim, uma festa? Mas, sem essa de conseguir comentários nas costas de ninguém...Deu pra entender? Quebrarmos um pouco esse individualismo imposto pelo sistema. Uma idéia apenas, depois de meditar me diga o que achou, OK? Aguardando com expectativa sua nova criação.Beijos, Van

carlos miranda (betomelodia) disse...

Olá.
Creio que mesmo Dali tendo um blog quando vivo era, não superaria o seu em maestria e criatividade.
Vi e revi suas postagens e a cada visita, mais me surpreendo,mais admiro seu trabalho.
Penso sériamente, com sua devida autorização, divulgá-lo em meu blog.

Abraços, amigo, e parabéns por sua Arte.